Há uma relação entre o amor e a entrega de vida. Não me esquecerei do dia em que Deus me deu um novo entendimento sobre este nível de compromisso e resposta de amor a Ele. Foi em Roma, no dia 16 de Agosto de 2003, cerca de 13h30. Parei em frente a Piazza di Spagna com minha esposa Kelly, e a pastora Roselen, de Milão, que nos ciceroneava, e viajei no tempo e na história imaginando os crentes que Nero queimou para iluminar aquela praça e escadarias. E não pude evitar: chorei. Chorei silenciosamente imaginando não apenas a dor do tipo de morte que provaram, mas a tristeza da separação provada pelas famílias dos mártires, e como a Igreja de Cristo foi edificada com o sangue de muitos santos que se doaram à causa do Evangelho sem reservas.
A geração de nossos dias ainda não entende esta dimensão de compromisso; nem tampouco a nobreza destes crentes. O livro de Hebreus fala de alguns dos quais este mundo não era digno. Foi assim que me senti naquele dia, com a certeza de que o mundo jamais entenderia a atitude destes santos, e que não sabíamos corresponder com dignidade ante a nobreza de sua entrega. Minha vontade era de gritar para todo mundo que eles não entendiam o que aconteceu ali. Que em vez de estarem rindo ou conversando, deveriam renovar seus votos de consagração a Deus, se é que já haviam se consagrado a Ele.
Sempre imaginei que não seria difícil morrer por Jesus, uma vez que o crente não tem medo da morte. Na verdade, sempre brinco citando um pregador que ouvi certa vez: “o crente não morre, é promovido e transferido. Deixa de trabalhar na filial e vai lá para a matriz, e ainda fica mais perto do patrão”! Porém, neste dia, ali nas escadarias da Praça de Espanha, visualizei algo que nunca percebera. Imaginei a dor da separação familiar. Pensei em meus filhos, Israel e Lissa, então com cinco e dois anos, respectivamente. Eles não nos acompanharam nesta viagem, estavam no Brasil, na casa de meus sogros.
O que seria morrer numa hora como aquela? Como seria ter que partir sem poder se despedir? Qual a minha atitude se tivesse que morrer por amor a Cristo sem poder encaminhá-los na vida, prover suas necessidades, ou providenciar quem os dirigisse?
Foi ali que percebi, não meramente por uma conclusão racional e lógica, mas por uma revelação interior, que era preciso muita fé e entrega para se deixar martirizar. Não era só uma questão de atravessar o “portal” para a vida eterna. Talvez esta fosse a parte mais simples. Era preciso muito fé para largar tudo para trás.
E o interessante era a forma como estes mártires partiam. A história registra que muitos cristãos morriam cantando. Isto mesmo, louvando até o fim! Algumas vezes, quando alguns já não agüentavam a dor e o calor das chamas se aproximando do corpo, e passava a gritar, outro crente continuava o cântico onde havia o anterior havia parado. Andei por aquelas escadarias todas, e com uma profunda dor no coração pedi ao Espírito Santo que me ensinasse mais sobre entrega. E renovei cada oração e voto de consagração de minha vida que já fizera um dia ao Senhor.
Também tive o privilégio de conhecer o Coliseu nesta nossa passagem pela Itália, e ali também se tem os mesmos relatos de mortes honrosas dos crentes primitivos. Muitos deles louvavam ao Senhor enquanto aguardavam serem devorados pelos leões. Isto é que é entrega! Isto é que é amor!
Demorei a entender, mas o fato é que Deus não pede a nossa vida, e sim a disposição de perdê-la por amor a Ele. A primeira geração de crentes agiu assim e deveríamos seguir seu exemplo. Atualmente, a Igreja de modo geral não demonstra este nível de compromisso, mas muita coisa está para mudar. O Espírito de Deus há de levantar uma nova geração tomada de paixão e entrega por Jesus, e ela o servirá até as últimas consequências. A relação entre amor e entrega de vida é algo claramente visto nas páginas das Escrituras:
“Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente, alguém morreria por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se anime a morrer. Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Romanos 5.6-8).
O amor de Deus ficou provado no fato de que Cristo morreu por nós. Esta relação de assuntos é vista não apenas quando se trata do que Jesus fez por nós, mas também do que devemos fazer por ele e pelos irmãos:
“Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (I João 3.16).
Enquanto não nos dispomos a doar nossas vidas para e pelo Senhor ainda não o amamos como devemos. Somos chamados a demonstrar nosso amor ao Senhor mediante a decisão de morte e rendição completa. O amor de Cristo o levou a morrer por nós, e Deus espera que possamos corresponder à altura de seu investimento em nossas vidas:
“Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (II Coríntios 5.14,15).
O entendimento do amor e entrega de Cristo devem produzir em nós uma resposta de amor e entrega a Ele também.