A ideia de Deus sorrir pode parecer absolutamente estranha para muitas pessoas, principalmente àquelas que se acostumaram à imagem de um “Deus” que mais parece um velhinho carrancudo e irado com raios nas mãos para atirar no primeiro pecador que saia da linha. Mas logo no início da narrativa bíblica, em Gênesis, quando é concluída a estupenda obra da Criação, penso que Deus abriu um absoluto sorriso de satisfação por todo o esplendor e perfeição do seu feito inigualável. Era o que eu faria (e você, não?), se algo maravilhoso saísse de “meu poder” criativo. Porque esse pouco de Deus está em nós, quando fazemos o bem ou realizamos algo notável, e resumimos tudo num largo sorriso de satisfação.
Quando Deus aparece a Abrão e lhe diz que faria dele uma grande nação, permaneceu no rosto deste um “sorriso amarelo”, e em sua mente, uma incontornável questão: “Como se dará isso?” – posto que Abrão era velho e candidato a uma vida caquética; e Sarai, sua esposa, era certamente frígida e infértil. Nesse contexto de desilusão, tempos depois, Deus aparece e muda seus nomes: de Abrão para Abraão, ou pai de numerosas nações; e de Sarai para Sara, ou mãe de nações.
Quando Deus aparece novamente a Abraão e lhe anuncia que Sara teria um filho, esta se riu no seu íntimo com a promessa de um rebento num parto feliz. Para Sara, isto era uma coisa absurda, fazendo-lhe brotar da alma a ironia de um riso. Todavia, isso provoca a reação divina: “Há, porventura, alguma coisa difícil ao Senhor?” (Gênesis 18.14). De fato, um ano mais tarde nasce-lhe Isaque, levando Sara a concluir: “Deus preparou riso para mim; todo aquele que o ouvir, se rirá comigo“ (Gênesis 21.6). Em outras palavras, ao sorriso cheio de dúvidas e irônico de Sara se contrapõe o sorriso virtuoso e criador de Deus. Esse é o modo com o qual se explica a etimologia “literal” do nome Isaque: “o Senhor riu”.
Essa interessante questão foi motivo de muita discussão na Idade Média. Ao comentar o livro do teólogo luterano Wernder Thiede (O Humorismo e a Teologia), Gianfranco Ravasi escreveu: “A fé é parecida com um sorriso com duas faces. Existe o tempo em quando se ri desesperado, ironizando a respeito de Deus e da sua obra. E existe o tempo do sorriso festivo por causa da promessa divina comprida, apesar da dúvida sarcástica do ser humano”.
O que pode fazer Deus sorrir? Essa é a questão que nos prende aqui.
Vendo a feiosidade do mundo, hoje, teria Deus motivos para sorrir? Talvez Ele tenha tantos motivos quanto na época de Abraão, quando tudo que havia entre os homens eram adoradores de imagens, de deuses que não são; servos de deuses feitos conforme sua imagem, coadjuvantes de suas próprias animalidades do caráter. Foi nesse meio tempo que Deus descobre entre tanta podridão comportamental um homem, Abraão, e lhe chamou para que andasse com Ele e o servisse no meio de uma geração irremediavelmente corrupta e idólatra. E este homem certamente lhe dava prazer e o fazia sorrir, porque o próprio Deus o tratava como “meu amigo” (Isaías 41.8). E não é com um amigo que dividimos os principais risos em nosso périplo pelo mundo de pessoas tristes?
A razão de estarmos vivos hoje e termos a fé que temos em Cristo é que Abraão agradou a Deus, creu Nele e o seguiu sem reservas. Foi em Deus que Abraão descobriu a sua origem, identidade, significado e propósito. E o modo de Abraão agradar a Deus se baseava numa legítima adoração, a qual perpassava a sua via inteira e fazia dele alguém especial e possuidor de uma vida centrada num propósito: o de amar e servir a Deus com integridade e reverência. Isso o torna, inclusive, diferente do resto das pessoas de sua geração. Deus tinha nele motivos para sorrir.
O exemplo de Abraão mostra-nos que Deus sorri quando a nossa mais elevada ação na vida significa amá-lo acima de qualquer coisa. Abraão amou a Deus e confiou Nele, mesmo quando toda perspectiva de esperança lhe dizia “não”. Sua vida era pautada por seguir a Deus prontamente, e isso o fazia desfrutar de um íntimo relacionamento com Ele.
Deus sorri quando confiamos Nele completamente. Abraão confiou em Deus e não lhe negou seu próprio filho Isaque. Ora, como sacrificar o filho que lhe tornaria pai de muitas nações? Só porque ele confiava absolutamente que Deus ressuscitaria seu filho e cumpriria a Sua promessa (Hebreus 11.19). De Berseba, onde morava, a Moriá, onde sacrificaria seu filho Isaque, Abraão percorreu uma jornada de três dias; tempo suficiente para desistir, se quisesse. Todavia, a despeito das possíveis críticas da História, de que era um “louco varrido”, ele só se importou em confiar totalmente em Deus.
Deus sorri quando o obedecemos incondicionalmente. Abraão saiu de sua terra, sem saber para onde iria, só porque Deus lhe dissera isso. Seu exemplo de obediência irrestrita nos mostra que obediência parcial é uma completa desobediência. A obediência a Deus é um ato de adoração, pois nela dizemos o quanto o amamos. Obedecer a Deus incondicionalmente é um tipo de devoção que certamente o faz sorrir.
Deus sorri quando o adoramos e lhe damos graças. Abraão sabia disso, tanto que sua primeira atitude foi a de expressar gratidão a Deus em lhe erigir um altar de adoração (Gênesis 12.8).
Deus sorri quando usamos nossa vida e habilidades para a Sua glória (I Coríntios 10.31). Foi o que fez Abraão, porque sabia disso: “Os passos dos justos são dirigidos pelo Senhor. Ele se agrada de cada detalhe da vida deles” (Salmo 37.23). Assim, todas as atividades humanas, com exceção do pecado, podem ser feitas para agradar a Deus. E todas elas podem fazer Deus sorrir.
Sendo assim, há uma questão incontornável, cuja melhor resposta está em seu coração: será que Deus tem algum motivo para sorrir com você e por sua causa?