Certa ocasião estava viajando de carro com minha família a fim de visitar meus sogros. O tempo previsto para nossa jornada era de oito a nove horas de estrada. Nessa época meu filho Israel tinha cerca de quatro anos de idade, e minha filha Lissa, cerca de um ano. Todo pai sabe como os filhos se comportam em viagens longas; eles fazem incontáveis vezes a mesma pergunta: “Pai, quanto tempo falta para a gente chegar?”
Depois de responder tantas vezes a mesma pergunta, eu acabei, em algum momento da viagem, me irritando com aquilo e confrontei o Israel com outra pergunta: “Filho, de que adianta o pai lhe responder quanto tempo falta? Você não sabe contar o tempo mesmo… Ainda que o pai lhe diga que falta uma hora (e era o tempo que levaríamos para chegar), você não tem relógio, não sabe contar as horas. Portanto, de que adianta você me perguntar e eu lhe responder, se você não vai entender nada?”
Ele ficou um tempinho calado, quieto (enquanto minha esposa me olhava com um certo ar de reprovação devido à irritação que eu havia demonstrado), o Israel rompeu o silêncio e disparou mais uma: “Mas pai, eu sei que você consegue.” Eu rebati na hora: “O pai consegue o quê, meu filho?” Ele, com muito jeitinho, se explicou: “Eu sei que eu ainda não entendo do tempo porque sou criança, e que não tenho relógio e nem sei marcar a hora, mas eu sei que você consegue me explicar quanto tempo falta de alguma outra forma.”
A essa altura, minha esposa já segurava o riso e me olhava com uma expressão de “quero ver você sair dessa”. Sem graça, acabei admitindo para ele: “Filhão, você está certo, o pai não precisa se irritar. Vou pensar num jeito de lhe explicar isto.” E, de repente, me ocorreu algo. Lembrei quantas e quantas vezes as crianças assistem a um mesmo desenho, a ponto de saberem de cor e salteado cada fala e acontecimento da história. Então usei essa ilustração para explicar o tempo que faltava: “Amigão, sabe aquele desenho que você mais gosta?” Diante da resposta afirmativa, fiz os devidos cálculos mentais e emendei com a explicação: “Imagine que você está assistindo aquele desenho e chega na parte tal (descrevi a cena). Daí até o fim do desenho é o tempo que falta pra gente chegar ao fim da viagem!” Então ele, com os olhinhos radiantes, agradeceu: “Legal, pai! Eu sabia que você conseguiria me explicar o tempo de algum outro jeito que não fosse só com o relógio!”
Percebi não só a alegria dele, como também a de minha esposa ao ver como me saí. E, confesso, naquele momento fiquei orgulhoso da forma como havia exercido meu papel paterno. Até que, cerca de uns dez minutos depois, ele fez uma nova pergunta: “Pai, e agora? Em que parte o desenho está?” Tive que dirigir aquela hora restante com um olho na estrada e outro na tela imaginária em que projetava o desenho! Finalmente, quando entramos na última reta da rodovia que terminava dentro da cidade para onde íamos, e ele me perguntou sobre o desenho, eu lhe respondi assim: “Filho, a tela ficou toda escura e agora começou a subir umas letrinhas brancas.” Então ele, concluindo o óbvio, vibrou: “Eba! Chegamos!”
Aprendi uma lição interessante aquele dia. Não adianta tentar explicar a uma criança algo que ela não entende, com explicações que também não entende. Temos que entrar no mundinho dela, falar a linguagem infantil, ilustrando com figuras que ela entenda.
E, recentemente, tenho aprendido outra lição: Deus também usa as figuras das coisas que conhecemos e entendemos a fim de se revelar a nós. Com frequência o Criador usa figuras familiares que ilustram quem Ele é e o como Ele age.
A RELAÇÃO ENTRE FÉ E FAMÍLIA
Antes, porém, de mostrar nas Escrituras que Deus usa figuras familiares a fim de se revelar a nós, quero estabelecer um fundamento importante: fé e família são dois assuntos interligados. Na verdade, podemos dizer que são inseparáveis! A Palavra de Deus é muito clara acerca disso:
“Se alguém não cuida dos seus e especialmente dos de sua família, tem negado a fé e é pior que um incrédulo”. (1 Timóteo 5.8)
Existem várias dimensões de cuidado familiar: espiritual, emocional e físico. Embora o texto de nossa reflexão se refira, basicamente, ao cuidado material e físico, de trazer suprimento aos familiares (1 Tm 5.4,16), oferecendo um teto, roupas e comida à mesa, vemos que as Escrituras ensinam sobre o cuidado espiritual (Ef 6.4; 1 Tm 5.4,5), e também reconhecem a importância do cuidado emocional. Por exemplo, é importante demonstrar apreciação e carinho aos filhos, uma vez que o próprio Jesus ouviu do Pai Celeste a frase: “Tu és meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). Portanto, devemos ler acerca desse ‘cuidado’ do qual Paulo fala a Timóteo, de uma forma mais abrangente do que somente provisão material.
Há uma relação entre a fé e a família. As Sagradas Escrituras nos revelam que se alguém não cuida de sua família nega a sua fé. Muitos cristãos têm separado uma coisa da outra, achando que podem viver bem a sua fé em Deus apesar de estarem maltratando a família; mas um assunto está profundamente ligado ao outro. Existe muita gente hoje em dia nas igrejas que adora ao Senhor nos cultos, mas o negam com seus pecados familiares. Esta dicotomia em relação a fé e família nos tem roubado muito. É tempo de compreender que estes assuntos são inseparáveis. Eles estão tão ligados que uma área acaba afetando a outra.
O apóstolo Pedro advertiu aos maridos que suas orações podem ser atrapalhadas por uma conduta errada no relacionamento com suas esposas:
“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”. (1 Pedro 3.7)
Percebemos que as orações são abortadas quando um marido cristão não se conduz adequadamente no relacionamento conjugal, e se desrespeita a esposa como vaso mais frágil. Este é um exemplo do “departamento” da fé sendo afetado pelo “departamento” da família! Outro exemplo das Escrituras é visto na afirmação apostólica de que a autoridade de um homem de Deus em seu ministério está relacionada com sua conduta familiar:
“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher… e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)”. (1 Timóteo 3.2,4-5)
A Palavra de Deus revela que o candidato ao episcopado deve ser irrepreensível. Ser marido de uma só mulher, ter filhos exemplares, governar bem sua casa. Por quê? Porque se fé e família são duas coisas tão relacionadas, ele não pode ser exemplo apenas em uma destas áreas. Se a fé que ele proclama está tão interligada à família, então ele deve demonstrar isto em sua própria casa.
Todo mover de Deus, todo avivamento que encontramos tanto na Bíblia como na história, parece estar relacionado com restauração familiar. Veja o que os profetas declararam acerca da família (no contexto do mover de Deus):
“Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, trazendo salvação nas suas asas… ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4.2,6)
O profeta Malaquias fala de restauração no relacionamento entre pais e filhos. Já o profeta Joel, usado por Deus, falou do derramar do Espírito Santo alcançando não apenas os pais, mas também seus filhos:
“E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias.” (Joel 2.28-29)
Não há como separar os assuntos de fé e família. Quem não vive o padrão divino para a família está ferindo sua fé, sua própria relação com Deus. Isso só ressalta o valor da família no plano divino para a humanidade.
Mencionei no capítulo anterior que, por muito tempo, achava que o Senhor abençoava a família por causa da importância que ela tem para nós. Porém, a verdade é que Deus não abençoa a família apenas porque ela é importante para nós, mas primeiramente porque ela é importante para Ele!
Mas o que torna a família algo tão importante e especial assim? E qual a importância da família para Deus? Por que o Senhor protegeu a família dessa forma (com mandamentos familiares que geram bênçãos para os que os guardam e juízo para os que os desobedecem)? Porque a família é algo que Deus usa para se revelar, para se fazer conhecer.
*Texto retirado do artigo “Fé e Família”, escrito por Luciano Subirá e publicado originalmente no Orvalho.org
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