Lembro-me de uma experiência inusitada, no ano de 1995, e que me serviu para esclarecer bastante esse princípio que quero abordar aqui. No fim de um culto abençoado, o Senhor começou a se mover entre nós e eu estava muito à vontade para fluir no Espírito. Recebi de Deus algumas palavras proféticas e as comuniquei às pessoas a quem eram dirigidas. Não o fiz de púlpito; preferi descer e ir até cada uma delas e lhes falar algo da parte do Senhor.
Quando voltei à plataforma, Deus me deu uma visão interessante com uma irmã que também tinha ido à frente, durante o apelo. Eu a vi com uma trombeta de ouro em sua mão direita para tocar, mas no momento em que o fazia, refletindo insegurança, ela punha a mão esquerda na frente do instrumento, reprimindo assim seu som.
Enquanto eu refletia, tentando entender o significado do que Deus me mostrava, pois entendo que muitas visões são simbólicas, o Espírito trouxe uma clara impressão no meu íntimo: “Ela tem uma mensagem da minha parte, mas está insegura e com receio de falar. Vá a ela e diga que fale a minha palavra!”
Prontamente fui até a irmã e lhe disse o que o Senhor havia me dito. Encorajei-a a falar o que havia recebido. Ela, muito impressionada, olhou diretamente nos meus olhos e falou: “É verdade, pastor, e esta irmã ao meu lado é minha testemunha de que Deus me deu uma palavra. Eu estava receosa de entregar, mas agora sei que realmente devo fazê-lo. E a mensagem que o Senhor me deu é para você!”
Eu quase caí de costas! Ela, com muito amor e carinho, disse-me que seu receio se dava ao fato de não se ver no direito ou posição de tentar me instruir, pois eu tinha autoridade sobre a vida dela, e não o contrário. Mas ela me via errando em relação a uma Palavra de Deus que eu havia recebido por ocasião do meu estabelecimento no ministério, e, de fato, Deus a usou para que eu consertasse algo em minha vida!
Depois disso comecei a pensar comigo mesmo e a achar até divertido o ocorrido. Deus me pegou de jeito! Eu não tinha como não ouvir aquela irmã depois da palavra que lhe dei! Então fiquei pensando na burocracia toda da coisa. Dizia para Deus: “O Senhor não podia ter falado direto comigo sobre o assunto? Por que me falar que outra pessoa tinha uma mensagem, para no fim a mensagem voltar para mim mesmo?” E em meio a este questionamento, o Senhor me disse que queria me ensinar a ouvir outros, a me deixar ser corrigido quando necessário… e jamais me esqueci disso!
Veja algo tremendo que a Palavra de Deus declara acerca da correção:
“Fira-me o justo, será isto uma benignidade; e repreenda-me, isso será como óleo sobre a minha cabeça; não recuse a minha cabeça…” (Salmo 141.5)
Deus não quer ver seu povo doente e nem sofrendo, mas há uma espécie de ferida que produz cura, e essa deve ser praticada pelos cristãos. Ao dizer; “fira-me o justo”, Davi não falava a respeito de uma ferida física, e sim de uma emocional. Referia-se ao desconforto (e até mesmo dor) que é produzido pela repreensão. E, apesar de se referir a algo aparentemente ruim, ele menciona as bênçãos provenientes desse ato: “e me será por benignidade;… será como óleo sobre a minha cabeça”.
Todos precisamos ser ministrados através de outras pessoas, e isto envolve não apenas ouvir palavras amáveis de encorajamento, mas também, quando necessário, palavras firmes de repreensão e correção. Moisés foi um homem que ouvia a Deus tão claramente, que tinha revelações poderosas sobre grandes e pequenos detalhes concernentes à condução do povo de Israel. Entretanto, precisou ser corrigido por seu sogro, e aprendeu dele a importância de trabalhar com grupos de liderança (Êx 18).
Isto me fez questionar várias vezes: se Deus falava sobre tanta coisa diretamente com Moisés, por que não falou acerca disso? Na verdade, falou; só não o fez diretamente. Deus usou Jetro para que Moisés soubesse que, por maior que fosse sua intimidade com Ele, por maior que fosse sua sensibilidade para ouvir a voz divina, ainda assim ele necessitava de pessoas que pudessem corrigi-lo e instruí-lo, pois ninguém é perfeito ou completo. Todos precisamos de pessoas que possam nos ministrar.
A Bíblia diz que aquele que se isola insurge-se contra a verdadeira sabedoria (Pv 18.1). Ninguém pode viver sozinho recusando-se a ouvir outros.
FERIDAS DE AMOR
A Bíblia fala mais sobre esse tipo de “ferida” que o justo deve praticar em relação àqueles que ama:
“Melhor é a repreensão aberta do que o amor encoberto. Fiéis são as feridas dum amigo, mas os beijos dum inimigo são enganosos.” (Provérbios 27.5,6)
Muitas pessoas agem com falsidade, preferido a dissimulação e o fingimento à franqueza e sinceridade da repreensão. Mas as Escrituras Sagradas declaram que a repreensão aberta (fruto de amor sincero de uma pessoa franca) é melhor que o amor encoberto (que não se manifesta por nunca ter coragem de falar a verdade).
Martinho Lutero, o grande reformador, declarou: “Preferiria que mestres verdadeiros e fiéis me repreendessem e me condenassem, e até mesmo reprovassem meus caminhos, a que hipócritas me bajulassem e me aplaudissem como santo”.
Precisamos aprender a falar a verdade em amor. Adular não leva a lugar algum e impede o crescimento espiritual de todos.
“O que repreende a um homem achará depois mais favor do que aquele que lisonjeia com a língua”. (Provérbios 28.23)
A verdade deve ser dita. Pessoas que amam devem corrigir e repreender os seus amados. As feridas de amor (provocadas pela repreensão) são mais valiosas que os beijos da falsidade (do fingimento de quem não quer contrariar ninguém).
Os apóstolos Paulo e Pedro viveram juntos uma experiência forte neste sentido. Paulo repreendeu Pedro diante de todos por estar agindo de modo errado quanto ao jeito de se relacionar com os crentes gentios.
“Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe na cara, porque era repreensível. Pois antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios; mas quando eles chegaram, se foi retirando e se apartava deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimularam com ele, de modo que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam retamente conforme a verdade do evangelho, disse a Cefas perante todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, como é que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gálatas 2.11-14)
Temos algo forte descrito neste texto. Paulo referiu-se a Pedro como uma das colunas da Igreja (Gl 2.9). É evidente que, como um dos doze apóstolos do Cordeiro, Simão Pedro estava numa posição ministerial mais elevada que Paulo, que mesmo sendo um apóstolo, não chegou a ser parte dos doze – que têm os seus nomes escritos nos fundamentos da Cidade Santa (Ap 21.14). Porém, como disse no início deste estudo, alguém de posição inferior de autoridade pode, baseado na autoridade da Palavra de Deus, corrigir outro de maior autoridade.
O apóstolo Paulo orientou seu discípulo Timóteo:
“Não repreenda asperamente ao homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai”(1 Tm 5.1).
Se fosse errado um filho corrigir o seu próprio pai, Paulo nunca poderia ter dito isto. Mas se um filho (já com maturidade) precisar fazer isso com seu pai, deve fazê-lo com tanto carinho e honra, que essa correção se torne o modelo de respeito a ser manifestado a qualquer pessoa idosa que tenhamos que corrigir.
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