A batalha contra o mundo

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A batalha contra o mundo

Texto Básico: Romanos 12.1-2

Leitura diária

D – Mt 6.19-21 – Tesouros no céu
S – Mt 16.24-28 – Ganhar o mundo e perder a alma
T – Mt 5.1-12 – Por minha causa
Q – At 17.16-31 – Citando Epimênides
Q – Cl 2.8-15 – Cuidado com as vãs filosofias
S – Sl 24.1-2 – Ao senhor pertence a terra
S – Sl 50.1-23 – O mundo é meu

Introdução

Martinho Lutero falou de uma batalha tripla na vida cristã. O cristão está envolvido em um combate contra o mundo, a carne e o diabo. Esses inimigos são terríveis. Como vivemos para agradar a um Deus de justiça, travamos uma batalha constante contra eles. Parte do processo de santificação é lutar e – se estivermos realmente crescendo – triunfar contra esses inimigos. Cada crente sabe o quanto pode ser difícil conquistar uma vitória sobre eles. Nesta lição, examinaremos o primeiro dos três inimigos, o mundo.

I. De qual mundo estamos falando

Vivemos neste mundo, somos parte dele. O mundo é nosso campo de batalha. Mas de qual “mundo” estamos falando? Com o que temos de tomar cuidado? A Escritura, especialmente o Evangelho de João, usa a palavra “mundo” em vários sentidos. Veja quais são:

  1. O mundo como criação de Deus. Este é o sentido da palavra, por exemplo, em João 17.5 e 21.25. Não é, porém, do mundo como criação de Deus que estamos tratando aqui. A criação de Deus não é nossa inimiga.
  2. Os habitantes do mundo, a humanidade (Jo 16.21).
  3. O público em geral (Jo 7.4; 14.22). Quando usada desta maneira, a palavra “mundo” tem o sentido popular de “todo mundo”. Por exemplo: “Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo” (Jo 7.4), ou seja, a todo o mundo.
  4. A humanidade alienada de Deus, mergulhada no pecado, exposta ao juízo, precisando de salvação (Jo 3.19).
  5. O mesmo sentido do item anterior, com a ideia adicional de que nenhuma distinção se faz quanto a raça e nacionalidade; portanto, homens e mulheres de todas as tribos, povos, raças e nações (Jo .29; 3.16-17; 4.42; 6.33,51; 8.12; 9.5; 12.46; 1Jo 2.2; 4.14-15).
  6. O domínio do mal. Na verdade, este sentido é o mesmo do item 4, mas com a ideia adicional de hostilidade aberta contra Deus, Cristo e seu povo (Jo 7.7; 8.23; 12.31; 14.30; 15.18; 17.9, 14).

O “mundo” nos sentidos vistos nos itens 4, 5 e 6 está alienado de Deus e precisa de salvação. É a este mundo que devemos pregar o evangelho.

O “mundo” no sentido do item 6 é que é nosso inimigo: o reino do mal, o conjunto de valores abertamente contrário e hostil a Deus e ao seu povo. É deste mundo que satanás é o príncipe.

II. A sedução deste mundo

O mundo é sedutor. Ele procura atrair nossa atenção e devoção. Ele obscurece nossa visão do céu. O mundo nos agrada – pelo menos na maior parte do tempo – e frequentemente nos empenhamos em agradá-lo, o que é lamentável. E é aqui que ocorre o conflito, pois agradar ao mundo não significa agradar a Deus.

O chamado que recebemos da parte de Deus é este: “Não vos conformeis com este século [este mundo]” (Rm 12.2). Mas o mundo quer que sejamos seus parceiros. Ele nos pressiona por meio de nossos amigos, por exemplo. Você se lembra da ansiedade que sentíamos quando adolescentes? Nosso amor próprio e nossa autoestima eram medidos por uma palavra mágica: popularidade. Esse tipo de coisa, porém, acaba quando saímos da adolescência. Ou será que não? Na verdade, as situações são diferentes, mas ainda queremos ser populares, ser aceitos pela sociedade, queremos “fazer parte”, ser “incluídos”. Muitas vezes, para conseguir isso pagamos um preço alto demais, abrindo mão de nossos valores cristãos e adotando os valores de um mundo hostil a Deus. Isso é o que significa “conformar-se com este mundo”, ou “assumir a forma” deste mundo.

Em cada época da história humana há uma ênfase diferente, o “espírito da época”. A ênfase de nossa época é o secularismo. Pouca atenção é dada às coisas que estão acima ou além deste mundo. A eternidade raramente é levada em conta, a não ser por alguns instantes, ao lado de uma sepultura. O que realmente conta é o aqui e agora. O importante é viver o momento, pois o prazer do presente é o espírito deste mundo.

O espírito secular deste mundo tem suas próprias tendências e ênfases modernas, mas, em sua essência, não é novo. Cada geração tem sua própria forma de secularismo. O mesmo acontecia no tempo de Jesus. Ele repetidamente chamou seus discípulos para olhar além do presente, para erguerem os olhos ao céu. Ele ensinou: “Ajuntai tesouros no céu” (Mt 6.19). Ele quer que examinemos nossa realidade à luz da eternidade, pois “que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mt 16.26). O mundo ou a alma? Agradar ao mundo ou agradar a Deus? Esta é a questão apresentada a cada geração. Conformar-se com este mundo é se arriscar a perder a vida eterna. Segundo o espírito de nossa época, um corpo na mão vale mais do que duas almas no céu, mas Jesus não pensa assim.

Para o cristão, resistir a este mundo é remar contra a maré. Ele deve estar disposto a deixar de agradar ao homem para agradar a Deus. Por isso Jesus disse: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus” (Mt 5.11-12).

As palavras mais importantes desta declaração são “por minha causa”. A não conformidade para a qual fomos chamados não é simplesmente por amor à não conformidade. Qualquer pessoa pode chamar atenção para si mesma ao fazer o tipo “diferente”. Não há virtude em ser “do contra” somente para ser diferente. Nossa não conformidade deve ser por causa de Cristo.

É fácil transformar a não conformidade em uma coisa banal. Podemos reduzi-la a simples expressões exteriores, como os fariseus fizeram. A autêntica não conformidade está na transformação. Paulo diz: “Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 2.12).

O chamado para a transformação não significa a retirada do mundo. Não precisamos de um mosteiro. Também não precisamos criar um gueto evangélico. Transformar o mundo significa ir além das formas deste mundo. Temos que efetuar alterações no mundo. Não devemos nos submeter a ele, mas também não devemos fugir dele.

III. Lidando com este mundo

Muitos cristãos têm verdadeiro pavor de tudo o que não receba o rótulo de “evangélico” ou “gospel”. Leem livros evangélicos, mas têm total aversão a livros de boa literatura brasileira ou internacional, alegando que os livros não evangélicos não são bons para os cristãos. O mesmo raciocínio se estende para as outras áreas: música, cinema, dança, pintura, escultura. Bem, na verdade, isso está errado. Todas as pessoas foram criadas à imagem e semelhança de Deus e receberam de Deus, pela sua graça comum, talentos naturais que são importantes para a formação da sociedade. Tudo o que é bom e certo, esteja onde estiver, vem de Deus. Da mesma maneira, nem tudo o que é dito nos livros evangélicos é realmente bíblico (infelizmente). O cristão precisa ter esse discernimento.

O apóstolo Paulo era instruído na literatura de sua época. Em Atos 17.28, ele cita e considera como certas as palavras do poeta grego Epimênides, de Creta, que, em um de seus poemas, escreveu:

Fizeram uma tumba para ti, ó Santo e Exaltado!
– os cretenses, sempre mentirosos, bestas más, ventres preguiçosos! –
Mas tu não estás morto; tu vives e permaneces para sempre,
pois em ti vivemos e nos movemos e temos nosso ser.

O mesmo poema é usado novamente em Tito 1.12-13, novamente com aprovação (dessa vez, uma aprovação escrita: Tal testemunho é exato). Ainda em Atos 17.28, novamente com aprovação, Paulo cita o poeta grego Arato: Dele somos geração.

Paulo fez isso não porque era mundano, mas porque era instruído. Ele amava muitíssimo a Escritura e tinha um forte compromisso com Deus. Contudo, ele encontrou tempo para se dedicar à leitura de outro tipo de literatura também.

Agostinho, um cristão muito piedoso do passado, era profundo conhecedor da filosofia de Platão. João Calvino cita Cícero com quase a mesma frequência com que cita Agostinho. Jonathan Edwards, o grande pregador do primeiro grande avivamento dos Estados Unidos, gostava dos escritos do filósofo John Locke. Esses homens eram cristãos verdadeiramente comprometidos com o evangelho, mas não tiveram uma postura isolacionista. Embora mantivessem uma postura claramente cristã, conheciam profundamente a literatura e a filosofia não cristã.

Talvez alguém pergunte: “Mas a Bíblia não diz que devemos tomar cuidado com a vã filosofia”? (Cl 2.8). Sim, realmente ela diz isso. Contudo, mesmo para podermos tomar cuidado com elas, precisamos conhecê-las. Na verdade, não podemos ser enredados pelas vãs filosofias, mas nem toda filosofia que não recebe o rótulo de “evangélica” é vã. Há boa filosofia e boa literatura fora do ambiente evangélico, por causa da graça comum de Deus. Além disso, o contexto em que esta orientação está inserida trata de falsas doutrinas, não do estudo da filosofia. Precisamos tomar cuidado é com os ensinos antibíblicos que penetram, com sutileza, no meio cristão, não com a literatura ou a filosofia que não recebem o rótulo “evangélico”.

Deus requer de nós uma mente transformada. Trata-se de uma mente que vê o mundo de uma perspectiva diferente. Temos contato com a cultura deste mundo, mas também temos valores cristãos que nos capacitam a ser críticos com o que vemos e ouvimos. Aqui, a palavra “críticos” não significa “ver com espírito negativo”, mas “ser cautelosos”. A verdade de Deus revelada na Escritura deve ser o ponto de referência por meio do qual devemos avaliar o ensino deste mundo.

O chamado para a transformação é um chamado para a renovação da mente. A mente renovada vem de um estudo profundo do modo como Deus quer que vivamos. Exige domínio da Escritura. Não é possível ter uma mente renovada sem conhecer a Escritura, porque é ela que revela a vontade de Deus.

Podemos aprender algo do mundo. A revelação de Deus não se limita à Escritura. Esta é a revelação especial. Há, também, a revelação geral, que é a revelação que Deus faz de si mesmo no mundo que criou e sustenta. Deus se revela na natureza e na cultura humana. Toda a verdade é a verdade de Deus. Podemos descobrir elementos da verdade em escritos não evangélicos.

O mundo é um obstáculo à nossa santificação, mas também pode ser um aliado, se o abordarmos pela perspectiva certa. Este ainda é o mundo de Deus. Davi afirma: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1). O próprio Deus diz: “Se eu tivesse fome, não to diria, pois o mundo é meu e quanto nele se contém” (Sl 50.12). Deus não abandona o mundo nem o despreza. Devemos ser imitadores de Deus, buscando abordar o mundo para transformá-lo, tornando-o mais agradável a Deus.

Conclusão

Devemos aprender a reivindicar o mundo para Deus. Não pela conformidade, nem rendendo-nos à sua sedução, mas testemunhando para ele e transformando-o. Isso pode ser feito com naturalidade, se enfrentarmos o mundo com a mente renovada.

Uma mente renovada é essencial para agradar a Deus. O Deus que deseja nossa santificação também deseja que brilhemos como estrelas em um mundo caído. Fazemos melhor isso quando entendemos este mundo e seus valores. Quando isso acontece, quando começamos a ver o mundo como Deus o vê, então podemos agir com boa consciência na renovação de uma criação deformada. E, nisso, agradamos ao Criador e Redentor.

Aplicação

Como é sua relação com a cultura na qual você está inserido? Você simplesmente a assimila como é, com seus erros e acertos? Você a repudia completamente, com seus erros e acertos? Ou você assume uma postura criteriosa, assimilando o que é agradável a Deus e repudiando o que não é? Como você faz isso? Há algo que precisa ser mudado em sua relação com a cultura?

>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, usado com permissão.

Fonte