Um Deus escandalosamente justo

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Um Deus escandalosamente justo

SÉRIE REVISTA ULTIMATO
Artigo: “Agir contra a desigualdade inspirados na história da reconciliação”, de William Lacy Lane, edição 382

Texto básico: Deuteronômio 10. 12-20

Textos de apoio
– Deuteronômio 4. 5-8
– Jeremias 7. 1-7
– Amós 9. 5-7
– Mateus 25. 31-46
– Efésios 2. 11-18
– Tiago 2. 1-9

Introdução

O apóstolo João, em sua primeira epístola, escreveu: “Quem diz que permanece em Deus também deve caminhar como Ele caminhou” (2.6). Isto aponta para a necessidade de sustentarmos uma integralidade em nossa existência humana, uma coerência visceral entre aquilo que professamos (“ortodoxia”) e a forma como vivemos (“ortopraxia”), se pretendemos dizer que “permanecemos em Deus”.

É claro que não conseguiremos cumprir “à perfeição” esse chamado à coerência total de vida, mas o convite de João aponta para um alvo, um fim, um propósito, que precisa estar sempre em nosso “radar” diário. Fala de uma “pretensão” que só pode ser concretizada quando buscamos aprender e entender a ação de Deus na História, e desejamos com todo o nosso ser (“com todo o nosso coração e com toda a nossa alma”) viver de acordo com o que descobrimos. É como Thomas Merton, monge trapista, escreveu certa vez: “E o fato de pensar que estou seguindo Tua vontade, não significa que realmente o esteja fazendo. Mas creio que o desejo de Te agradar Te agrada, de fato. E espero jamais vir a fazer algo contrário a esse desejo”.

Interesse, vontade, humildade, mansidão e perseverança são valores muito importantes nesse processo de busca e encontro com a identidade e a ação de Deus, expressos sobretudo na Sua palavra e no “mais perfeito retrato de Deus” que possuímos: Jesus.

Nesse estudo vamos buscar uma compreensão renovada sobre o chamado de Deus para “seguirmos todos os seus caminhos”, tendo como guias de condução a Sua identidade revelada e sua ação histórica. Vamos colocar os pés no caminho?

Para entender o que a Bíblia fala

1. Os vv. 12-13, 20 formam um tipo de “moldura” para este trecho que estamos estudando. E eles apresentam o convite do Senhor Deus, por intermédio de Moisés, para que o povo de Israel assuma um compromisso total com o único e verdadeiro Deus. Para você, o que significa “temer ao Senhor”? Como o “paralelismo poético” dos vv. 12-13 nos ajudam a obter um significado mais completo e prático da expressão “temer ao Senhor”?

2. Alguns comentaristas nos ajudam a perceber a riqueza poética desta passagem, com os seis versículos de 14 a 19 formando um par de trios (vv. 14, 15, 16; e vv. 17, 18, 19), onde cada verso do primeiro conjunto corresponde (ou é paralelo) a um verso do segundo conjunto: i) vv. 14 e 17 – a identidade do Senhor (quem Ele é); ii) vv. 15 e 18 – os feitos do Senhor (o que Ele fez ou faz); e vv. 16 e 19 – o chamado do Senhor (o que Ele espera de Seu povo). De acordo com a primeira dupla de versículos correspondentes (vv. 14 e 17), qual a diferença entre a identidade do Senhor e os demais deuses que habitavam as mitologias do antigo Oriente Médio? Por que esta percepção sobre o governo universal e a “incorruptibilidade” de Deus seria importante para o povo de Israel, considerando a “missão” que eles possuíam (Deuteronômio 4.5-8)?

3. Vamos agora para a segunda dupla de versículos (vv. 15 e 18), que nos ajudam na resposta à questão “o que Deus faz?”. Você acha que a “escolha/eleição” do povo de Israel pode ser confundida com parcialidade ou favoritismo da parte de Deus? Como a manutenção de uma “tensão criativa” entre o v. 15 e os vv. 14, 17 podem nos ajudar a descartar essa possível parcialidade e, ao mesmo tempo, nos “proteger” dos extremos antibíblicos do “universalismo” e do “exclusivismo”? (É importante relembrarmos aqui os primórdios da formação do povo de Israel, com o chamado de Abraão e os propósitos deste chamado, em Gênesis 12. 1-3). Olhando agora para o v.18, paralelo ao v.15, vemos a preocupação do Senhor com “órfãos, viúvas e estrangeiros”, expressão que pode ser considerada um resumo de todos aqueles que são vulneráveis e marginalizados na sociedade. Por que o tratamento dispensado aos pobres e vulneráveis em seu meio seria um indicador confiável da saúde espiritual de Israel? Podemos considerar que há uma correlação entre adoração e justiça social, ou entre idolatria e injustiça social? (v. 12: “andem em todos os Seus caminhos” => Isaías 1. 11-17, 61.8; Salmo 37.28).

4. Finalizando, temos a terceira dupla de versículos paralelos (vv. 16 e 19). A circuncisão era o sinal exterior de todo membro da aliança; mas desde o início da formação do povo, qual era a marca de todo verdadeiro israelita (v. 16)? Na sua opinião, qual é a relação entre o fato de terem sido “estrangeiros” no Egito e o cultivo de uma “inclinação ao arrependimento” que deveria marcá-los (v. 19)? Em outras palavras, como aquilo que Deus tinha feito por eles, no Egito, deveria agora servir de incentivo para a sua relação com os estrangeiros (vulneráveis na sociedade)?   

Para pensar

“Nossa identidade em Cristo deve se refletir no modo como nos relacionamos. Tanto os Dez Mandamentos (Êxodo 20) como a oração que o Senhor ensinou aos discípulos (Mateus 6.9-15) incluem o respeito ao nome e à santidade de Deus (Êxodo 20.1-11; Mateus 6.9-10), bem como a responsabilidade para com o próximo (Êxodo 20.12-17; Mateus 6.11-15). Esses e outros ensinamentos devem nos inspirar a sermos seguidores de Jesus, fiéis à sua mensagem e comprometidos com o combate às diversas formas de desigualdade existentes na atualidade.” (William Lacy Lane)

“A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.” (Reverendo Martin Luther King Jr.)

“Desde o começo, os cristãos têm sido conhecidos por prover as necessidades materiais não apenas de sua própria comunidade como também de seus vizinhos não-cristãos. Essa prática da igreja primitiva, mesmo em tempos de perseguição, várias vezes confundia seus contemporâneos. Os pagãos recebiam ajuda e hospitalidade de cristãos que frequentemente eram tão pobres quanto eles. Um testemunho eloquente sobre essa prática vem de uma fonte surpreendente, o imperador ex-cristão Juliano (‘o Apóstata’) que, achando difícil em AD 360 restabelecer o paganismo como religião oficial do Império Romano, reclamou dos cristãos: ‘foram sua benevolência aos estranhos, seu cuidado pelos túmulos dos mortos e a pretensa santidade de suas vidas que mais contribuíram para aumentar seu ateísmo [de que eram acusados]…os ímpios galileus sustentam não apenas seus próprios pobres como os nossos também.” (Vinoth Ramachandra)

“E agora, José?”

1. No texto que estudamos, vimos que o Senhor Deus que “não faz acepção de pessoas” e que “cuida do órfão, da viúva e do estrangeiro” (vv. 17,18), convoca Seu povo a “andar em todos os Seus caminhos” (v. 12), imitando as suas obras. Como você tem respondido a esta convocação de Deus? Você tem sido um imitador de sua preocupação e cuidado com os mais vulneráveis, em sua vizinhança e em sua cidade? Existe algum projeto ou iniciativa nesta área, no qual você e sua comunidade de fé poderiam se envolver? Como?

2. Existem muitos dados disponíveis sobre as várias desigualdades que afligem a sociedade brasileira e mundial. Essa realidade desoladora é fruto, em última instância, do nosso pecado pessoal e coletivo. Como este tema pode se tornar uma agenda de oração pessoal e comunitária? A intercessão sobre este assunto, sem dúvida, não é um “ponto final”, mas pode ser um bom “ponto de partida”. Pense nas situações que estão mais próximas de você, e vá ampliando seu raio de preocupação e interesse. Envolva outras pessoas da sua comunidade de fé, animando-os a ver esta situação “com os olhos de Deus”.

Eu e Deus

Aleluia!
Louve, ó minha alma ao Senhor.
Louvarei ao Senhor por toda a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus enquanto eu viver.
Não confiem em príncipes, em meros mortais, incapazes de salvar.
Quando o espírito deles se vai, voltam ao pó; naquele mesmo dia acabam-se os seus planos.
Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no Senhor, no seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e que mantém a sua fidelidade para sempre!
Ele defende a causa dos oprimidos e dá alimento aos famintos. O Senhor liberta os presos, o Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos.
O Senhor protege o estrangeiro e sustém o órfão e a viúva, mas frustra o propósito dos ímpios.
O Senhor reina para sempre! O teu Deus, ó Sião, reina de geração em geração.
Aleluia!

(Salmo 146, NVI)

Autor do Estudo: Reinaldo Percinoto Júnior

> Estudo desenvolvido a partir do artigo “Agir contra a desigualdade”, de William Lane, publicado na edição de março-abril da revista Ultimato, e do capítulo 6 do livro A Mensagem da Missão, ABU Editora.

Fonte