O cristão carnal – o novo e o velho homem

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O cristão carnal – o novo e o velho homem

Texto básico: Romanos 7

Leitura diária
D – Ef 2.1-10 – Regenerados
S – Fp 1.1-30 – Uma obra de preparo
T – Gl 5.13-26 – Livres, mas não liberados
Q – Mt 18.23-35 – Exemplo deve ser seguido
Q – Rm 12.1-21 – De dentro pra fora
S – Fp 2.12-16 – Desenvolvimento
S – Ef 4.1-16 – Desenvolvimento mútuo

Introdução

O perdão, como vimos, é algo maravilhoso e desafiador. É algo essencial em nossa relação com Deus, porém, tantas vezes negligenciado. Apesar de perdoados e de até irmos ao Senhor para confessar nosso pecado e pedir perdão, temos dificuldades para praticar o perdão e para pedir perdão. Essa distância entre a importância e a prática do perdão está ligada à realidade de que o pecado ainda exerce grande influência em nossa vida, mesmo após regenerados e convertidos. Mesmo com a liberdade que temos ao recebermos o perdão divino, o pecado é uma realidade contínua e incômoda. A Escritura fala do cristão carnal em Romanos 7.14, mas o que é isso? Qual é nossa situação, afinal? Somos os mesmos pecadores ou já alcançamos a perfeição?

I. O “corpo desta morte”

Nada que alcançamos neste mundo se compara à declaração de Deus: “seus pecados estão perdoados”. Contudo, ainda vemos Paulo afirmando: “desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24).

Essa linguagem fazia muito sentido naquele tempo. Havia o costume de se atar o corpo da vítima ao assassino. Ele tinha de andar com aquele cadáver e encarar o horror de seu ato. Muitos enlouqueciam com toda a podridão de um corpo se decompondo, com a ação de larvas e moscas atraídas pela morte.

Por mais nojenta que seja a imagem, ela é um bom exemplo de nossa situação. Somos uma nova criatura em Cristo, porém, ainda não libertos daquele homem que foi morto e sepultado. Apesar de temos uma nova natureza (Ef 2.1), a obra completa ainda não se fez realidade, pois está guardada para a volta de nosso Redentor (Fp 1.6). Sofremos a influência da sujeira da velha natureza, esbarrando em nosso novo homem.

Contudo, dentro do pensamento cristão, ainda há muitas dúvidas e discussões. Existem pontos de vista que se contrapõem e que nos levam a extremos não bíblicos. Há o antinomismo em que os seus proponentes descartam a obediência, e o perfeccionismo, em que os seus proponentes pensam já não pecar mais. Vejamos mais de perto essas duas formas de pensamento.

II. O ponto de vista antinomiano

Os antinomianos pensam que não há qualquer lei a qual devam submeter-se. Em Cristo eles estão livres para viver do modo como desejam. Esse cristão carnal vive em “contínua carnalidade, não dando provas do fruto do Espírito.” Ele se parece mais com a descrição dos mortos do que com a dos vivos:

Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais (Ef 2.1-3).

Veja que o texto faz uma descrição do morto como alguém que vive pecando, desobedecendo. Isso nos leva a crer que alguém vivo, espiritualmente falando, não se parece em nada como que os antinomianos pensam. Para esse grupo antinomiano a profissão de fé é o bastante. Contudo, devemos lembrar que a Escritura, ao nos ensinar a justificação pela fé, não está afirmando que o crente é apenas alguém que crê.

A verdadeira fé nos conduz a uma atitude, a um modo de vida. Ao fazer a analogia da fé, Tiago nos mostra a sequência óbvia e esperada do crer e, então, fazer. Segundo ele, fé, sem obras, é morta. Melhor é mostrar a fé por meio das obras, ou seja o fruto do Espírito: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.23). É bom lembrar de Romanos 6, que mostra como é impensável ao que morreu para o pecado em Cristo, possa continuar entregando seus membros ao pecado.

O antinomismo, portanto, é a negação do caráter da nova vida. Não somos chamados simplesmente para crer, mas para ser. Ser à imagem de Cristo (Rm 8.29), ser transformado desde a mente (Rm 12.2). Não conseguir vencer o pecado é uma situação, porém, entregar-se e agir como se isso não importasse, em nada se parece com alguém que conhece e de fato confessa o evangelho.

III. A visão perfeccionista

Outra heresia, totalmente oposta ao antinomismo, é o perfeccionismo. Essa ensina que estamos em perfeição moral. Não é difícil imaginar o tipo de distorção bíblica e de autoimagem que se tem de fazer para chegar a esse tipo de conclusão.

Para alcançar esse nível de distorção temos de ir para um de dois lados. Ou nos superestimamos em nosso desempenho moral, ou subestimamos as exigências morais de Deus. Por fim, ele traz o mesmo efeito do antinomismo: não há lei, ou por ela ser tão reduzida para que nos iludamos de que estamos bem, ou porque achamos que já estamos fazendo o que deveríamos.

Há um esforço enorme do perfeccionista, não para vencer o pecado, mas para ignorar a verdade sobre si e a verdade da Escritura. O antinomista não liga para o pecado, enquanto que o perfeccionista ignora sua realidade. A Escritura é cheia de referências à realidade de que seremos aperfeiçoados até o dia de Cristo. Filipenses 1.6 declara que o desenvolvimento daqueles irmãos era algo a ser completado e que isso é contínuo na atual realidade.

Em Jeremias 17, o Senhor nos alerta sobre a confiança em nós mesmos. O profeta ressalta que somente no Senhor podemos colocar nossa confiança para a salvação. Nosso coração é corrupto e dado ao pecado. É interessante que a Escritura nunca descreve esse “crente perfeito”, ou sem pecado.

1João 1.8 é taxativo: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmo nos enganamos”. O esforço de um perfeccionista para mostrar que isso não se aplica a ele é enorme. Sproul descreve uma conversa com um perfeccionista que diz ter alcançado a segunda benção e já não mais pecava.[1] Quando confrontado com o texto de Romanos 7, e o relato de Paulo, antes de sua conversão, o perfeccionista afirmou que o apóstolo não havia alcançado a segunda bênção.

A tradição wesleyana pode ser vista como outra forma de perfeccionismo. Pode-se dizer que é um modo mais brando, porém, igualmente incoerente e antibíblico. Para esse grupo, somente quanto ao amor é possível alcançar a perfeição. Contudo, mesmo nessa versão atenuada, como alguém pode dizer que ama a Deus perfeitamente e ao mesmo tempo pecar contra ele?

Paulo nos descreve, em Romanos 7, com uma condição ainda restringida pela ação do velho homem. Ainda que capazes de agir santamente, o “corpo desta morte” ainda está atrelado ao crente. Dos versos 6 a 14, o apóstolo descreve nossa relação com a lei, mostrando que não estamos mais submetidos a ela, tendo em vista que ela nada faz para nos justificar, apenas nos acusando. Nesse sentido, ele afirma ser santo, porém, por causa do pecado, é sempre motivado a pecar diante da direção divina. Isso enfatiza justamente nossa real situação.

IV. A visão bíblica

Alguém diria que o apóstolo Paulo não foi cheio do Espírito? Como alguém que não está totalmente rendido ao evangelho pode passar por tudo que ele passou (2Co 11.25)?

Mesmo diante de toda a experiência e relacionamento com Deus, ele declara: “eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 7.14). Por mais profunda que essa declaração possa ser, vindo de quem vem, não podemos realmente pensar que se trata de um cristão carnal.

Paulo descreve a realidade de que ainda temos a influência do pecado sobre nós. Enquanto receptor da ação do Espírito, o apóstolo, como agente, é carnal. A luta é de seu velho homem contra o novo. É a luta das obras que são fruto dos benefícios da regeneração e santificação contra o pecado, no qual nasceu e foi concebido. A santificação é atribuída ao Espírito e o pecado a ele.

Nesse sentido, Paulo menciona o homem interior e o exterior (Rm 7.22-25). Essa linguagem procura atribuir ao Espírito aquilo que é interior a ele, profundo, por ser a partir de nosso íntimo que a obra é feita, e de modo involuntário, não dependente dele. Enquanto isso, ele menciona as obras de seus membros, enfatizando sua ação, o que depende dele mesmo.

Essa interpretação é reforçada pela declaração: “eu, de mim mesmo, com a mente sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado” (Rm 7.25). O apóstolo está enfatizando que já há vitórias, porém, ainda há o que ser feito. Sua mente está transformada e almeja as coisas do Espírito. Contudo, a realidade do pecado ainda presente, é externada por seus membros, contrapondo a obra já iniciada em seu ser, a partir de sua mente (Rm 12.1-2).

Já no capítulo 8, verso 13, Paulo mostra que ainda há necessidade de se trabalhar os efeitos do pecado em nossa vida: “Por que, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” Viver segundo o Espírito é lutar contra o que é naturalmente nosso, o estado no qual nascemos: “e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3).

Ainda lutamos pois estamos em estado de santificação, aguardando a glorificação. Até lá, o Espírito nos dá todas as condições de vencer o velho homem e agir segundo a renovação de nossa mente, mas também podemos equivocadamente nos deixar levar pelos velhos hábitos.

Filipenses 2.12-16 trata a vida cristã como algo a ser desenvolvido. É interessante que a Escritura nunca trata a carreira cristã como algo terminada, ou resolvida. Sempre a trata em termos de desenvolvimento, de algo ainda por alcançar. Já Efésios 4 nos dá uma dimensão animadora para esse desenvolvimento: não estamos sozinhos. Somos chamados para nos auxiliarmos mutuamente no crescimento do corpo de Cristo. Não podemos pensar que chegaremos à perfeita varonilidade sozinhos.

Conclusão

O cristão não é um ser perfeito, tão pouco alguém que não tem com o que se preocupar. O cristão, segundo o ensino bíblico, é alguém que vive a realidade de uma vida regenerada, porém, não glorificada. A soberba é o resultado de quem não aceita a realidade de que estamos em um processo de crescimento, que deve ser alvo de nossa contínua dedicação. A soberba é resultado de qualquer uma dessas opções vistas na lição. Ou se é soberbo por pensar poder fazer tudo que se quer, ou por pensar já ter feito tudo o que é necessário.

Aplicação

Você tem lutado devidamente contra o pecado? Qual sua autoimagem? Pensa ter um comportamento moral de alto nível? O pecado é uma preocupação contínua em sua vida, ou seu coração está cauterizado e acostumado com o erro?

[1] Cf. Como viver e agradar a Deus, R. C. Sproul, Editora Cultura Cristã.

>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã. Usado com permissão.

Fonte