Não há do que se envergonhar
Texto básico: Romanos 1.16,17
Leitura diária
D Hb 2.10-12 – Cristo não se envergonha de nós
S At 17.16-23 – Um pregador ousado
T Rm 1.1-7 – Chamado para pregar
Q Rm 1.8-17 – Disposição para pregar
Q Lc 9.23-26 – Um discípulo convicto
S Fp 2.12-17 – Sem medo de testemunhar
S Mt 5.10-16 – Uma grande responsabilidade
Introdução
Você já se sentiu alguma vez tentado a sentir vergonha de algo, mesmo sabendo que aquilo era o correto? Pode ser a vergonha de assumir a pureza sexual num ambiente promíscuo, a honestidade num ambiente de corrupção ou até mesmo a defesa de alguma ideia ou pessoa sabendo que a maioria a sua volta é contrária. Muitos de nós já passaram ou passam por situações em que somos tentados a nos envergonhar até mesmo daquilo que cremos.
Professar o Cristianismo nunca foi algo muito fácil, e em algumas épocas mais difícil ainda. Principalmente num contexto em que as crenças e práticas dominantes são contrárias aos valores da fé cristã.
Paulo escreve a cristãos que viviam exatamente nesse contexto. Pessoas que tinham o desafio de viverem num ambiente impregnado pela filosofia grega e por práticas libertinas, principalmente na área sexual. Por isso, até mesmo com o propósito de encorajar é que o apóstolo escreve que não se envergonhava do evangelho. Porém, essa firmeza que ele demonstrava não era apenas uma questão de opinião própria, e sim, o conhecimento e a convicção daquilo que o evangelho representava, ou seja, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. Diante dessa corajosa afirmação, podemos nos perguntar: como podemos também, a semelhança de Paulo, não nos envergonhar do evangelho?
I. Sendo um proclamador ousado
Não ter vergonha do evangelho de Jesus Cristo começa com a realização da nossa tarefa dentro do reino de Deus. Paulo sabia qual era o seu trabalho e por quem ele havia sido comissionado. Algumas palavras demonstram a compreensão que o apóstolo tinha da sua responsabilidade.
A. Servo
Em primeiro lugar, Paulo se apresenta como servo de Jesus Cristo. A palavra usada para servo também pode ser traduzida por escravo. Numa cidade como Roma, em que a escravatura era algo comum, essa maneira de se apresentar era muito significativa, contudo a diferença estava na voluntariedade com que essa escravidão ocorria. Enquanto que os escravos romanos se encontravam numa sujeição forçada, o escravo de Cristo, sujeita-se voluntariamente, ou seja, por amor. Longe de ser algo ultrajante, ser um servo é um título que dignifica aquele que está unido a Jesus Cristo, tanto pelo fato deste ser o grande exemplo do Mestre (Mt 20.28; Mc 10.45; Jo 13.13-15; Fp 2.5-8), como também esse ser o maior posto dentro do reino de Deus (Mt 20.26,27; 25.21; Mc 9.35; 10.42-44).
B. Separado
Outra situação que Paulo tinha bem clara em sua mente, era o fato dele ter sido separado para o evangelho de Deus (1.1). Porém, há de se observar também que antes do apóstolo ter sido separado para pregar o evangelho de Deus, ele tinha sido separado de algumas coisas, tais como o conforto e privilégios que ele poderia ter, um sistema legalista de religião e uma conduta cruel e perseguidora para com a Igreja de Cristo. Isso significa que antes de haver uma dedicação ao reino de Deus, deve haver uma ruptura com o antigo conjunto de valores pecaminosos que vivemos ou que nos impeçam de testemunhar a respeito do evangelho (Lc 9.57-62; Fp 3.13,14; Hb 12.1
C. Disposto
Uma atitude digna de nota no comportamento de Paulo é a sua obediência e disposição em pregar o evangelho. No versículo 11 ele manifesta um intenso desejo de estar com a igreja para a qual escrevia. Um pouco mais adiante (v.14) também declara que a pregação do evangelho era uma obrigação e não um favor a ser feito (compare com 1Co 9.16) e por último, expressa a sua total disposição em anunciar o evangelho (v.15). Para Paulo o que lhe cabia era ser obediente, que segundo ele, era um ato de fé (vs.5,6).
Semelhantemente, devemos demonstrar a mesma disposição. Nem todo cristão foi chamado para servir em terras estrangeiras, encarar uma vida de solidão ou abrir mão da própria vida. Mas todo cristão deve estar disposto a fazê-lo se assim for necessário. Não fomos chamados para ser apóstolos assim como Paulo. Porém, da mesma forma como ele tinha consciência de qual era o seu trabalho, também devemos ter consciência do nosso. Muitos, talvez se sentem envergonhados do evangelho porque não sabem nem mesmo o que lhes compete no reino de Deus. A nossa ousadia será proporcional ao conhecimento daquilo que estamos fazendo.
II. Conhecendo o conteúdo da mensagem
Paulo sabia quem ele era e qual era o seu serviço. Ele não vivia uma crise existencial vocacional, pois não havia dúvida em sua mente do que ele fora chamado para fazer. Da mesma maneira, ele também sabia qual era o conteúdo da sua mensagem. Ele conhecia muito bem aquilo que estava pregando e que era chamado de evangelho. Era esse conhecimento e zelo que lhe davam os argumentos necessários para não se envergonhar do evangelho.
A. A unidade da mensagem
No início da sua apresentação, Paulo diz que o evangelho que ele pregava era o mesmo que havia sido prometido por Deus, por meio dos seus profetas, nas Sagradas Escrituras (1.2). Com essa expressão, o apóstolo aponta para a unidade que existe em toda a Bíblia, ou seja, o Novo Testamento não está em oposição ao Antigo Testamento, pelo contrário, ilumina-o e confirma-o. O que ele anunciava não era alguma novidade que estava surgindo. Na realidade, era a mensagem que havia sido proclamada em seu estado germinal lá no Éden, poucas horas depois da queda (Gn 3.15), e confirmada posteriormente a Abraão (Gn 12.7; 17.7, 19; 22.17,18). Era a mesma mensagem da qual testificavam a Lei e os Profetas (Lc 24.27, 44). Logo, o evangelho é uma mensagem que provêm diretamente de Deus e que está intimamente entrelaçada com a história da humanidade, apontando o caminho para a sua redenção.
B. A promessa
Como a própria abertura da carta aos Romanos nos diz, esse evangelho era uma promessa de Deus. Uma promessa que diz respeito ao envio de um descendente que seria o salvador de pecadores arrependidos. Não seria apenas a manifestação de um guru ou um líder espiritual, e sim de um salvador. Esse salvador é identificado a partir de duas referências.
1. Sua natureza humana – A promessa é de que esse descendente seria da linhagem de Davi, segundo a carne (1.3), conforme a aliança que Deus já havia firmado com o próprio Davi (2Sm 7.16). Por isso Jesus possui uma natureza humana e também uma linhagem real. Porém, Jesus não tinha somente uma natureza humana, a promessa era a de que o Salvador também seria Filho de Deus.
2. Sua natureza divina – Apesar de haver a promessa da manifestação do Filho de Deus (Sl 2.7; Is 9.6,7), Paulo refere-se aqui a outro evento para testificar a divindade de Jesus Cristo. A demonstração de poder, segundo o Espírito Santo (4.1) que o designou Filho de Deus, principalmente por meio da ressurreição. A vida e o ministério de Jesus Cristo foram plenos do Espírito Santo (Lc 4.18,19). O seu nascimento (Mt 1.20; Lc 1.35), batismo (Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22; Jo 1.33) e ressurreição (At 2.24; Rm 4.1; Ef 1.20) são demonstrações públicas da atividade do Espírito Santo em sua vida, sendo que essa última é a preferida pelos escritores bíblicos para testificar da divindade do Filho.
Através da rápida menção que o apóstolo faz, percebemos que ele tinha total compreensão do conteúdo da mensagem que estava proclamando. Muitos de nós talvez se sintam desconcertados em apresentar o evangelho exatamente porque não tem clareza daquilo que ele significa. Falta-nos o preparo que a Bíblia recomenda (1Pe 3.15; Jd 3). Se quisermos vencer a vergonha de anunciar o evangelho, devemos em primeiro lugar vencer o desconhecimento do mesmo.
III. Tendo uma atitude ousada
Estamos aqui diante do tema central dos primeiros oito capítulos da carta de Paulo aos Romanos e também deste trimestre. Numa declaração concisa Paulo explicou: … não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé. (vs.16,17). Para o momento, somente algumas observações precisam ser feitas. Em primeiro lugar, do que os crentes nos dias de Paulo, a semelhança de hoje, não deviam se envergonhar no evangelho?
A. Do que não se envergonhar
1. Do seu conteúdo. Devemos nos lembrar de que Paulo está escrevendo para um mundo greco-romano. Eram pessoas que estavam habituadas a uma forma intelectualizada de pensar e estavam familiarizadas a todo um complexo sistema filosófico. De certa forma, esse contexto poderia inibir aqueles que eram responsáveis por pregar o evangelho. No entanto, não temos porque nos envergonhar dos ensinamentos de Jesus Cristo, pois eles são muito mais lógicos e profundos do que todas as teorias filosóficas já existentes, além do que, respondem com muito mais precisão e profundidade as grandes questões da existência humana. Jesus mesmo já havia advertido para não nos envergonharmos dos seus ensinamentos (Lc 9.26). As suas palavras na realidade são a verdadeira fonte de vida eterna (Jo 6.68).
Mesmo hoje em dia, estamos diante de diversos conceitos filosóficos ou religiosos. Alguns são extremamente elaborados, outros têm um tom mais místico e além disto, nos deparamos com uma produção pseudocientífica cada vez mais intensa que tenta desacreditar a fé cristã. Diante deste quadro, é de se esperar que muitas vezes nos sintamos intimidados para expressar ou defender aquilo em que cremos. Porém, podemos ter a confiança, a mesma que Paulo tinha, para nos posicionarmos, porque nenhum destes sistemas será mais coerente, eficiente e verdadeiro do que o evangelho. Do mesmo modo como Paulo, temos a certeza de que jamais seremos envergonhados ou confundidos por esperarmos em Cristo (Rm 5.5).
2. Da sua prática. Os leitores de Paulo não viviam somente num contexto intelectualizado. Havia também todo um contexto moral e social. Muitas práticas totalmente contrárias às Escrituras eram comuns e até mesmo promovidas, principalmente na área sexual. Daí podemos imaginar as pressões que sofriam os cristãos que viviam na capital do Império Romano. Pressões essas que também são compartilhadas por cristãos do século 21.
No entanto, a Bíblia insiste em que não precisamos e não devemos nos envergonhar do evangelho, seja do seu conteúdo ou da sua prática. Paulo já havia demonstrado essa ousadia por ocasião do seu discurso no Areópago (At 17.16-31). Da mesma maneira, ele também pede aos seus colaboradores que não se envergonhem, nem da prática do evangelho, nem daqueles que por causa dele sofrem (2Tm 1.8, 12, 16).
B. Porque não se envergonhar
Paulo não se envergonhava do evangelho porque ele é o poder de Deus, mesmo sabendo que para alguns era loucura e para outros, escândalo (1Co 1.18,23). Esse conceito se tornará mais claro se entendermos o que significa salvação. Esse termo tem um sentido muito mais amplo nesse versículo do que geralmente estamos acostumados a ver. Ele se refere a salvação em termos de passado, presente e futuro.
1. Salvação passada – A salvação passada tem a ver com a nossa justificação. Esse conceito será trabalhado nos capítulos 1 a 4 da carta aos Romanos. Ela tem a ver com a remoção da nossa culpa por meio do sacrifício de Jesus Cristo.
2. Salvação presente – A salvação tem um aspecto presente também, é a santificação. A obra de Jesus Cristo também tem aplicação para a vida diária. É a remoção da poluição do pecado em nossa vida, tornando-nos moralmente mais e mais semelhantes ao nosso salvador. Esse assunto será discutido por Paulo mais adiante em sua carta (5.1.8.17).
3. Salvação futura – Por último, salvação também é glorificação. Esse é o aspecto futuro da nossa salvação, o estágio pós-ressurreição em que nos encontraremos no Novo Céu e na Nova Terra. Veremos sobre esse assunto em 8.18-39. Isso também é um resultado da obra de Jesus Cristo.
Dessa maneira, temos um rápido entendimento de quão poderoso é o evangelho. Ele é capaz de transformar a vida por completo, em todas as suas dimensões. Ele nos liberta da culpa no passado, nos ensina a viver o presente e nos dá esperança quanto ao futuro. Também é importante lembrar que esse evangelho é de alcance universal. Tanto judeu ou gentio (gente de todas as raças e etnias) podem ser salvos por ele, ainda que a sua aplicação seja restrita, ou seja, somente para aqueles que creem. Devido a todas essas consequências do evangelho na vida daqueles que creem, é que Paulo se refere a ele como o poder de Deus.
Conclusão
Envergonhar-se de algo pode ser tanto louvável quanto uma atitude de covardia. Depende do que nos envergonhamos. Quanto a última opção, a Bíblia diz que os covardes não entrarão no reino de Deus (Ap 21.8). Podemos entender essa covardia como a atitude daqueles que se envergonharam de Jesus Cristo e dos seus ensinamentos (Mc 8.39). Se quisermos ser corajosos sem nos envergonharmos do evangelho de Jesus Cristo, não podemos nos esquecer de que somos embaixadores em terra estranha. Da mesma maneira que um embaixador não tem vergonha do seu país, não podemos nos envergonhar do evangelho. Temos também a obrigação de conhecer a mensagem que nos foi confiada a anunciar. Se entendermos realmente o que significa o evangelho, jamais nos envergonharemos dele. Por último, a nossa postura deve ser ousada. Não podemos nos envergonhar nem do conteúdo, nem da prática do evangelho, pois o mesmo é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.
Aplicação
1. Em quais momentos específicos você precisa ser ousado para não negar o que crê, sejam com palavras ou com atos?
2. De que maneira você pode conhecer mais o conteúdo do evangelho a fim de que tenha intrepidez para anunciá-lo como convém?
3. Em qual ambiente você tem mais dificuldade para testemunhar do evangelho de Cristo? O que vai fazer a respeito?
> Autor do Estudo: Sérgio Ribeiro Santos
>> Estudo publicado originalmente na revista Palavra Viva – Sangue na porta, da Editora Cultura Cristã. Adaptado do livro A obra consumada de Cristo, de Francis A. Schaeffer. Usado com permissão.